Postado em 29 de Novembro de 2018 às 16h23

Fausto dos Santos

Voz do Autor (36)

O entrevistado desta semana na coluna Voz do Autor é Fausto dos Santos. O autor já publicou diversos livros sobre filosofia pela Argos Editora da Unochapecó, incluindo “Os filósofos e a educação”, que é a obra abordada na entrevista.

  • Quais são suas áreas de atuação profissional?

Toda minha formação foi na área da Filosofia, onde fiz um bacharelado, uma licenciatura, um mestrado e o meu doutorado. Por estas coisas que a vida nos reserva, hoje atuo na área da Educação, trabalhando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. Antes de adentrar no referido Programa, tematicamente, a Educação propriamente dita, enquanto um campo específico de investigação, ainda não fazia parte das minhas preocupações filosóficas. A não ser pelas minhas leituras de Platão, onde, de uma forma ou de outra, a Educação está sempre em questão, e o fato de ter ingressado no ofício do magistério ainda jovem – o que talvez não seja de somenos –, o campo educacional me era desconhecido. No entanto, há oito anos, quando surgiu o convite para trabalhar na área da Educação, curioso que sou, antevi a possibilidade de ampliar o meu pensamento, e com certeza penso que fiz uma escolha feliz. No entanto, confesso que no começo não foi fácil, devido à amplitude e à complexidade das questões que envolvem as pesquisas no campo educacional, tendo que formular perguntas que nunca tinha feito até então. É claro que fácil ainda não é, tanto quanto muito provavelmente nunca será. Contudo, atualmente, vivencio a pertença ao campo, desenvolvendo pesquisas fundamentalmente sobre a epistemologia da Educação. Lidero dois Grupos de Pesquisa vinculados ao CNPq: Epistemologia e Educação, no qual reúno principalmente os meus orientandos de mestrado e doutorado, mas não apenas, e o Grupo SUR PAIDEIA, esse mais amplo, que reúne pesquisadores do Sul do país e da América Latina. No PPGED da Tuiuti leciono disciplinas ligadas à pesquisa em Educação e na graduação ministro aulas no Curso de Pedagogia: Filosofia da Educação e Filosofia da Educação Contemporânea. Na Universidade também sou membro do Colegiado do PPGED, bem como, da Comissão Institucional de Pesquisa e Iniciação Científica e da Comissão Institucional de Editoração Científica. Ainda na Tuiuti, eu e o Professor Cairu Vieira Corrêa criamos e coordenamos o Laboratório de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade.

  • Quais foram seus objetivos ao escrever o livro, e como você espera que os leitores captem a essência dele?

“Os filósofos e a educação” foi escrito com um intuito fundamentalmente hermenêutico, não propriamente historiográfico. Nele não desenvolvo as supostas Filosofias da Educação inerentes aos autores que o compõem, mas, a partir daquilo que eles pensaram, tento compreender como é que eles podem nos ajudar a pensar a educação na contemporaneidade. A necessidade de escrever algo sempre surge de uma demanda extremamente pessoal, o desejo de compreensão. Assim, posso dizer que o meu objetivo ao escrever o livro foi, de alguma maneira, buscar saciar o desejo de compreender como os filósofos sobre os quais escrevi podiam me ajudar a compreender as questões educacionais. No fundo o rodeio pelos filósofos falava da pergunta que eu mesmo me fazia: como posso contribuir filosoficamente para a compreensão das questões educacionais? É aí que entra o outro, o possível leitor, aquele para quem também se escreve. Este outro para quem se escreve (o leitor) é sempre um outro de si mesmo (o autor). Então, para mim, o que mais importa mesmo é o que cada leitor espera de si mesmo ao ler o livro e se aquilo que espera é passível de ser produzido com a leitura. Em última instância, o autor não tem controle sobre aquilo que escreve e, publicado, o livro é inteiramente do leitor. Mas, é claro que, assim como busco compreender os autores que leio para tentar ampliar a compreensão de mim mesmo, também quero que os leitores ampliem as possibilidades de compreensão deles próprios ao compreenderem aquilo que escrevo.

  • Você já produziu outros trabalhos com essa temática ou afins?

Hoje em dia praticamente tudo que escrevo está relacionado com a área da Educação. Tenho publicado continuamente artigos em revistas acadêmicas e colaborado com colegas que organizam coletâneas escrevendo capítulos para seus livros. Cito como exemplo alguns artigos publicados neste ano: “Ética e Estética são Um? O que isto pode ter a ver com a Educação escolar?” (Revista Educação e Realidade); “As raízes filosóficas das questões que envolvem a revisão ética nas pesquisas científicas no Brasil” (Revista Conjectura: Filosofia e Educação); “A Filosofia em meio à educação profissional técnica nos Institutos Federais do Brasil” (Revista Contrapontos), escrito em parceria com Joelson Juk. Outros artigos aprovados para publicação ainda em 2018 são: “Para pensarmos a prática da Pesquisa em Educação” (Revista Educação e Filosofia), “O que podemos esperar da Escola?: uma reflexão para além da Modernidade” (Revista Educere et Educare); “Paul Ricoeur e a efetivação da liberdade: contribuições para a educação” (Revista Dissertatio), escrito em parceria com Neiva Afonso de Oliveira e Gomercindo Ghiggi. Capítulos de livros posso citar: “A arte em meio à crise da contemporaneidade e a educação”. In: Lúcia Schneider Hardt; Rosana Silva de Moura (Org.). Filosofia da Educação: entre devires, interrupções e aberturas - outro mundo contemporâneo. Blumenau: EDIFURB, 2016; “A Política Educacional brasileira entre 2003 e 2014 e as demandas do movimento social LGBT”. In: Naura Syria Carapeto Ferreira (Org.). Políticas Públicas e Gestão Democrática da Educação: análises, desafios e compromissos. Curitiba: CRV, 2016; “Presença distante, distância presente: uma reflexão sobre a EaD”. In: Pereira, Maria de Fátima Rodrigues; Moraes, Raquel de Almeida; Teruya, Teresa Kazuko (Org.). Educação a distância (EaD): reflexões críticas e práticas. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017.

Talvez aqui também valha a pena falar de algo que pretendo fazer, e que, de certa forma, já foi iniciado: quando da publicação de “Os filósofos e a educação” tinha falado para o Coordenador da Editora na época, Dirceu Hermes, sobre o meu desejo de escrever uma continuação do livro, com estudos sobre outros filósofos, já tenho algum material pronto e, quem sabe, daqui um tempo possamos ter um “Os filósofos e a educação II”.

  • Qual a contribuição que o livro traz para as pessoas e para a complexa sociedade em que vivemos?

Creio que “Os filósofos e a educação”, na medida em que é sustentado por uma postura hermenêutica diante dos autores, pode, sobretudo, trazer essa postura para a vida dos seus leitores, a busca pela compreensão do papel da educação na produção do mundo. Como você disse, dessa sociedade complexa, a qual, não poucas vezes, nos apressamos em julgar sem que nos demoremos no processo de compreensão. Pois, ainda que não possamos viver sem um julgamento a respeito do mundo, sem que o compreendamos, dificilmente podemos julgá-lo a contento. Com o que acabamos ainda mais reforçando os nossos pré-conceitos.

  • Como o ensino pode ser revolucionado através do debate e da reflexão filosófica?

Desde Platão a filosofia se vê as voltas com o revolucionário, com a possibilidade de produção de um mundo melhor. Creio que, para tanto, o debate e a reflexão filosófica não deveriam nunca escorregar para as soluções violentas, principalmente para com as novas gerações, os recém-chegados que, para habitarem humanamente o mundo, precisam passar pelos processos de ensino e aprendizagem. A maior violência nesse caso é sonegar o conhecimento das múltiplas possibilidades de produção da existência humana, levando nossas crianças a se enquadrarem em uma única e somente uma possibilidade de se compreenderem diante da vida. Nunca antes na história a humanidade produziu uma existência tão homogênea quanto em nossos dias. O revolucionário hoje seria que o pensamento pudesse mitigar essa homogeneização.

  • Em sua visão como filósofo, como a filosofia contemporânea pode influenciar o futuro da educação e da filosofia?

Tal pergunta nos mantém no horizonte da anterior, penso que o que produz uma existência homogeneizada em nossos dias é, sobretudo, o papel hegemônico que a técnica e a ciência possuem no mundo contemporâneo. É claro que toda e qualquer mudança social depende muito do modelo educacional vigente, contudo, também é certo que a educação sozinha não pode fazer muita coisa. Pois ela sempre está atrelada ao modelo de sociedade que almejamos produzir. Nesse caso, estamos sempre imersos em um círculo e tudo depende do modo como giramos por dentro dele. Se é a técnica e a ciência que produzem a existência contemporânea, são elas que devem ser questionadas e compreendidas ontologicamente para que algo possa efetivamente mudar, se é que queremos de fato alguma mudança e não achamos a contemporaneidade o melhor dos mundos possíveis. Pois, pode ser o caso que, diante das luzes produzidas pela técnica e pela ciência, estejamos um tanto quanto ofuscados, não enxergando claramente o que se põe a nossa frente. Se mantivermos a filosofia nos meios educacionais, enquanto uma reflexão serena a respeito do mundo, na medida em que ela não pode ser reduzida – assim como também a arte – aos padrões impostos pela técnica e pela ciência, a filosofia pode efetivamente contribuir para a possibilidade de produção de outras existências, ampliando sobremaneira a capacidade de decisão das futuras gerações. Com certeza não é por um mero acaso que a filosofia, e as humanidades de uma forma geral, vão sendo expurgadas das nossas escolas. Ainda que a técnica e a ciência possam medir todas as coisas, como no caso da balança, elas não podem medir a si mesmas. Daí a necessidade da reflexão filosófica para que possamos refletir sobre a nossa existência em meio à hegemonia homogeneizante da tecnociência.

  • O que você considera como sua contribuição à área?

A minha contribuição na área da Educação só pode ser oriunda do meu manejo com a Filosofia. E a filosofia, como a compreendo, sendo uma espécie de hermenêutica existencial, tarefa essencialmente formativa, está, desde sempre, com os dois pés fincados na educação. Assim sendo, na medida em que a própria filosofia já é, por si mesma, um projeto educacional, uma proposta de formação, para mim não é o caso que a Filosofia como que forneça subsídios para que se possa pensar a educação, apenas. Dito isso, no dia a dia do meu trabalho procuro despertar em meus alunos o interesse por uma formação filosófica, que não veja nos seus diversos autores apenas a possibilidade de uma muleta na qual possam se apoiar. É preciso que aprendam a reconhecer a força que possuem em seus próprios pés. A educação pouco anda quando se apoia na filosofia, principalmente quando toma um filósofo como aquele que já pensou por nós, eximindo-nos da responsabilidade de fazê-lo. Nada menos filosófico do que seguir um filósofo. Com os filósofos deve-se, no máximo, andar ao lado deles, na posição de quem dialoga.

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