O entrevistado desta semana na coluna Voz do Autor é Fausto dos Santos. O autor já publicou diversos livros sobre filosofia pela Argos Editora da Unochapecó, incluindo “Os filósofos e a educação”, que é a obra abordada na entrevista.
Toda minha formação foi na área da Filosofia, onde fiz um bacharelado, uma licenciatura, um mestrado e o meu doutorado. Por estas coisas que a vida nos reserva, hoje atuo na área da Educação, trabalhando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. Antes de adentrar no referido Programa, tematicamente, a Educação propriamente dita, enquanto um campo específico de investigação, ainda não fazia parte das minhas preocupações filosóficas. A não ser pelas minhas leituras de Platão, onde, de uma forma ou de outra, a Educação está sempre em questão, e o fato de ter ingressado no ofício do magistério ainda jovem – o que talvez não seja de somenos –, o campo educacional me era desconhecido. No entanto, há oito anos, quando surgiu o convite para trabalhar na área da Educação, curioso que sou, antevi a possibilidade de ampliar o meu pensamento, e com certeza penso que fiz uma escolha feliz. No entanto, confesso que no começo não foi fácil, devido à amplitude e à complexidade das questões que envolvem as pesquisas no campo educacional, tendo que formular perguntas que nunca tinha feito até então. É claro que fácil ainda não é, tanto quanto muito provavelmente nunca será. Contudo, atualmente, vivencio a pertença ao campo, desenvolvendo pesquisas fundamentalmente sobre a epistemologia da Educação. Lidero dois Grupos de Pesquisa vinculados ao CNPq: Epistemologia e Educação, no qual reúno principalmente os meus orientandos de mestrado e doutorado, mas não apenas, e o Grupo SUR PAIDEIA, esse mais amplo, que reúne pesquisadores do Sul do país e da América Latina. No PPGED da Tuiuti leciono disciplinas ligadas à pesquisa em Educação e na graduação ministro aulas no Curso de Pedagogia: Filosofia da Educação e Filosofia da Educação Contemporânea. Na Universidade também sou membro do Colegiado do PPGED, bem como, da Comissão Institucional de Pesquisa e Iniciação Científica e da Comissão Institucional de Editoração Científica. Ainda na Tuiuti, eu e o Professor Cairu Vieira Corrêa criamos e coordenamos o Laboratório de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade.
“Os filósofos e a educação” foi escrito com um intuito fundamentalmente hermenêutico, não propriamente historiográfico. Nele não desenvolvo as supostas Filosofias da Educação inerentes aos autores que o compõem, mas, a partir daquilo que eles pensaram, tento compreender como é que eles podem nos ajudar a pensar a educação na contemporaneidade. A necessidade de escrever algo sempre surge de uma demanda extremamente pessoal, o desejo de compreensão. Assim, posso dizer que o meu objetivo ao escrever o livro foi, de alguma maneira, buscar saciar o desejo de compreender como os filósofos sobre os quais escrevi podiam me ajudar a compreender as questões educacionais. No fundo o rodeio pelos filósofos falava da pergunta que eu mesmo me fazia: como posso contribuir filosoficamente para a compreensão das questões educacionais? É aí que entra o outro, o possível leitor, aquele para quem também se escreve. Este outro para quem se escreve (o leitor) é sempre um outro de si mesmo (o autor). Então, para mim, o que mais importa mesmo é o que cada leitor espera de si mesmo ao ler o livro e se aquilo que espera é passível de ser produzido com a leitura. Em última instância, o autor não tem controle sobre aquilo que escreve e, publicado, o livro é inteiramente do leitor. Mas, é claro que, assim como busco compreender os autores que leio para tentar ampliar a compreensão de mim mesmo, também quero que os leitores ampliem as possibilidades de compreensão deles próprios ao compreenderem aquilo que escrevo.
Hoje em dia praticamente tudo que escrevo está relacionado com a área da Educação. Tenho publicado continuamente artigos em revistas acadêmicas e colaborado com colegas que organizam coletâneas escrevendo capítulos para seus livros. Cito como exemplo alguns artigos publicados neste ano: “Ética e Estética são Um? O que isto pode ter a ver com a Educação escolar?” (Revista Educação e Realidade); “As raízes filosóficas das questões que envolvem a revisão ética nas pesquisas científicas no Brasil” (Revista Conjectura: Filosofia e Educação); “A Filosofia em meio à educação profissional técnica nos Institutos Federais do Brasil” (Revista Contrapontos), escrito em parceria com Joelson Juk. Outros artigos aprovados para publicação ainda em 2018 são: “Para pensarmos a prática da Pesquisa em Educação” (Revista Educação e Filosofia), “O que podemos esperar da Escola?: uma reflexão para além da Modernidade” (Revista Educere et Educare); “Paul Ricoeur e a efetivação da liberdade: contribuições para a educação” (Revista Dissertatio), escrito em parceria com Neiva Afonso de Oliveira e Gomercindo Ghiggi. Capítulos de livros posso citar: “A arte em meio à crise da contemporaneidade e a educação”. In: Lúcia Schneider Hardt; Rosana Silva de Moura (Org.). Filosofia da Educação: entre devires, interrupções e aberturas - outro mundo contemporâneo. Blumenau: EDIFURB, 2016; “A Política Educacional brasileira entre 2003 e 2014 e as demandas do movimento social LGBT”. In: Naura Syria Carapeto Ferreira (Org.). Políticas Públicas e Gestão Democrática da Educação: análises, desafios e compromissos. Curitiba: CRV, 2016; “Presença distante, distância presente: uma reflexão sobre a EaD”. In: Pereira, Maria de Fátima Rodrigues; Moraes, Raquel de Almeida; Teruya, Teresa Kazuko (Org.). Educação a distância (EaD): reflexões críticas e práticas. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. Talvez aqui também valha a pena falar de algo que pretendo fazer, e que, de certa forma, já foi iniciado: quando da publicação de “Os filósofos e a educação” tinha falado para o Coordenador da Editora na época, Dirceu Hermes, sobre o meu desejo de escrever uma continuação do livro, com estudos sobre outros filósofos, já tenho algum material pronto e, quem sabe, daqui um tempo possamos ter um “Os filósofos e a educação II”.
Creio que “Os filósofos e a educação”, na medida em que é sustentado por uma postura hermenêutica diante dos autores, pode, sobretudo, trazer essa postura para a vida dos seus leitores, a busca pela compreensão do papel da educação na produção do mundo. Como você disse, dessa sociedade complexa, a qual, não poucas vezes, nos apressamos em julgar sem que nos demoremos no processo de compreensão. Pois, ainda que não possamos viver sem um julgamento a respeito do mundo, sem que o compreendamos, dificilmente podemos julgá-lo a contento. Com o que acabamos ainda mais reforçando os nossos pré-conceitos.
Desde Platão a filosofia se vê as voltas com o revolucionário, com a possibilidade de produção de um mundo melhor. Creio que, para tanto, o debate e a reflexão filosófica não deveriam nunca escorregar para as soluções violentas, principalmente para com as novas gerações, os recém-chegados que, para habitarem humanamente o mundo, precisam passar pelos processos de ensino e aprendizagem. A maior violência nesse caso é sonegar o conhecimento das múltiplas possibilidades de produção da existência humana, levando nossas crianças a se enquadrarem em uma única e somente uma possibilidade de se compreenderem diante da vida. Nunca antes na história a humanidade produziu uma existência tão homogênea quanto em nossos dias. O revolucionário hoje seria que o pensamento pudesse mitigar essa homogeneização.
Tal pergunta nos mantém no horizonte da anterior, penso que o que produz uma existência homogeneizada em nossos dias é, sobretudo, o papel hegemônico que a técnica e a ciência possuem no mundo contemporâneo. É claro que toda e qualquer mudança social depende muito do modelo educacional vigente, contudo, também é certo que a educação sozinha não pode fazer muita coisa. Pois ela sempre está atrelada ao modelo de sociedade que almejamos produzir. Nesse caso, estamos sempre imersos em um círculo e tudo depende do modo como giramos por dentro dele. Se é a técnica e a ciência que produzem a existência contemporânea, são elas que devem ser questionadas e compreendidas ontologicamente para que algo possa efetivamente mudar, se é que queremos de fato alguma mudança e não achamos a contemporaneidade o melhor dos mundos possíveis. Pois, pode ser o caso que, diante das luzes produzidas pela técnica e pela ciência, estejamos um tanto quanto ofuscados, não enxergando claramente o que se põe a nossa frente. Se mantivermos a filosofia nos meios educacionais, enquanto uma reflexão serena a respeito do mundo, na medida em que ela não pode ser reduzida – assim como também a arte – aos padrões impostos pela técnica e pela ciência, a filosofia pode efetivamente contribuir para a possibilidade de produção de outras existências, ampliando sobremaneira a capacidade de decisão das futuras gerações. Com certeza não é por um mero acaso que a filosofia, e as humanidades de uma forma geral, vão sendo expurgadas das nossas escolas. Ainda que a técnica e a ciência possam medir todas as coisas, como no caso da balança, elas não podem medir a si mesmas. Daí a necessidade da reflexão filosófica para que possamos refletir sobre a nossa existência em meio à hegemonia homogeneizante da tecnociência.
A minha contribuição na área da Educação só pode ser oriunda do meu manejo com a Filosofia. E a filosofia, como a compreendo, sendo uma espécie de hermenêutica existencial, tarefa essencialmente formativa, está, desde sempre, com os dois pés fincados na educação. Assim sendo, na medida em que a própria filosofia já é, por si mesma, um projeto educacional, uma proposta de formação, para mim não é o caso que a Filosofia como que forneça subsídios para que se possa pensar a educação, apenas. Dito isso, no dia a dia do meu trabalho procuro despertar em meus alunos o interesse por uma formação filosófica, que não veja nos seus diversos autores apenas a possibilidade de uma muleta na qual possam se apoiar. É preciso que aprendam a reconhecer a força que possuem em seus próprios pés. A educação pouco anda quando se apoia na filosofia, principalmente quando toma um filósofo como aquele que já pensou por nós, eximindo-nos da responsabilidade de fazê-lo. Nada menos filosófico do que seguir um filósofo. Com os filósofos deve-se, no máximo, andar ao lado deles, na posição de quem dialoga. |