Postado em 26 de Março de 2018 às 16h24

Ricardo Silva autor de “A ideologia do Estado autoritário no Brasil”

Voz do Autor (36)

Veja, a seguir, uma entrevista com o autor acerca da obra.

 

Quais são suas áreas de atuação profissional?

Sou professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina, onde atuo no curso de Graduação em Ciências Sociais e no Programa de Pós-graduação em Sociologia Política. Sou bacharel em Economia pela UFSC e Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Venho realizando pesquisas em dois campos temáticos relativamente independentes, mas com muitas áreas de interseção entre si: a análise política de políticas econômicas e o estudo da história do pensamento político brasileiro no século XX.

 

Quais foram seus objetivos ao escrever o livro?

Este livro é produto de uma intenção, ao mesmo tempo, analítica e crítica. Procurei contribuir para o estudo de uma tradição intelectual de grande presença na política brasileira do século XX, a qual, a meu ver, estende sua influência até os dias atuais. Meu principal objetivo foi o de elaborar um modelo analítico para uma melhor compreensão dos discursos autoritários associados a práticas governamentais nos campos das reformas institucionais e das políticas econômicas no Brasil. Fiz isso mediante análise crítica das ideias políticas de autores como Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos, Eugênio Gudin e Roberto Campos.

 

De um modo geral, do que trata "A ideologia do estado autoritário no Brasil"?

O chamado “pensamento autoritário brasileiro” tem sido um tema bastante frequentado na literatura de nossas ciências sociais. Em geral, os analistas que trataram do tema circunscreveram sua matéria aos pensadores autoritários das décadas de 1920 e 1930, focalizando sobretudo a obra de intelectuais que se associaram ao esforço de legitimação da ditadura do Estado Novo, com destaque para Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos. Isso não é incorreto, mas é insuficiente. Precisamos nos perguntar qual foi o destino da ideologia autoritária depois da derrocada do regime ditatorial de Vargas. Procuro contribuir com a tese de que este sistema ideológico passou por um processo de “atualização”. Seus principais protagonistas deixaram para trás a retórica sociológica própria dos ideólogos dos anos 1920 e 1930 e assumiram um discurso elaborado a partir do vocabulário da ciência econômica. Essa mudança resultou no restabelecimento da eficácia do apelo legitimador da ideologia autoritária. Economistas como Eugênio Gudin e Roberto Campos fizeram, a partir dos anos 1940 e 1950, o mesmo que intelectuais de cultura sociológica como Oliveira Vianna e Azevedo Amaral fizeram ao longo dos anos 1920 e 1930: produziram um discurso político orientado para a justificação de uma forma específica de dominação estatal. Quando analisamos esse discurso político, percebemos que a estrutura de dominação idealizada por essas duas gerações de pensadores autoritários é, simultaneamente, estatista, tecnocrática e desmobilizadora. Independentemente de suas diferenças, todos esses autores argumentam que as políticas estatais devem ser produto de aplicação de capacidade técnico-científica e não resultado de contendas e acordos políticos. Por isso, apresentam uma visão muito negativa sobre instituições e procedimentos centrais da democracia liberal, como os parlamentos, o sufrágio universal, a separação e equilíbrio dos poderes etc. Por outro lado, realizam a apologia de um poder Executivo Forte, gerenciado por uma elite tecnocrática, a qual deveriam ser atribuídos os poderes de fato para a elaboração e gestão das políticas estatais. Esse modelo político autoritário é consistente com a visão que esses autores apresentam da sociedade brasileira e da cultura do povo. Aí veem egoísmo, irracionalidade econômica, incapacidade política, miopia ideológica e outras características depreciativas. Ao Estado caberia manter-se distante deste tipo de sociedade, inclusive para melhor discipliná-la. A desmobilização de focos de mobilização social, especialmente mas não exclusivamente, de setores populares é um dos corolários da lógica da argumentação política da ideologia autoritária.

 

Você já produziu outros trabalhos com esta temática ou temáticas afins?

Nos últimos anos, venho publicando artigos sobre o tema em revistas científicas. Também venho apresentando regularmente trabalhos em encontros acadêmicos das Associações Nacionais de História (em 1999 e em 2001), de Sociologia (em 1999), de Ciência Política (em 2000 e 2002) e da Associação Latino-americana de Sociologia (em 2003). O livro é a primeira exposição sistemática do conjunto dessas pesquisas.

 

Que convite o livro faz ao leitor?

O livro convida o leitor ao exercício de interpretação e crítica de ideias autoritárias de um passado brasileiro recente. Creio que a luta pela consolidação e expansão de nossas instituições e práticas democráticas requer esse acerto de contas com o passado. Penso que a presença de ideias autoritárias na justificação da política governamental brasileira é um daqueles casos que confirma o escritor norte-americano W. Faulkner, quando dizia que “o passado nunca está morto, ele nem mesmo é passado”.



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