Livro trata das sabedorias – “Aquífero Guarani” (justamente por estar situado sob seu território) – que nos ensinaram conhecimentos vários, desde o uso do chimarrão até práticas cosmológicas, porém hoje encontra-se em confronto direto com os Estados Nacionais pela definição de políticas comuns, pelo reconhecimento, pelo respeito as suas formas próprias de vida e especialmente pela possibilidade de circular livremente palas fronteiros. Acompanhe, a seguir, entrevista com o autor da obra De que trata o livro e para quem se destina? A Revista Veja, na edição n 1999, de 14 de março de 2007, trouxe a seguinte manchete: “Made in Paraguay: a Funai tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome”. A matéria versava sobre as comunidades Guarani que vivem no litoral do estado de SC e que estão buscando junto à Funai a demarcação das terras, mas para a revista trata-se de Guarani paraguaios que deveriam ser deportados e não assistidos. A matéria foi publicada bem depois da pesquisa que motivou o livro. Tomamos aqui sua citação para frisar a relevância da obra e dizer que esse é justamente o tema central do livro – como outra visão territorial implica em outra cosmovisão e em outras relações. É possível existir outros territórios sobre as fronteiras nacionais? Os indígenas dizem que sim e sempre agiram a partir desse pressuposto. O território Guarani segue outras configurações geográficas, tendo como referência a mata-atlântica e o curso dos grandes rios. Hoje esse território está recortado pelas fronteiras do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, mas os indígenas continuam lutando para viver seu próprio território. Os Estados Nacionais pensam em eliminar as fronteiras do ponto de vista da integração econômica, mas não pensam em desenvolver políticas comuns para que esses povos possam continuar vivendo a seu modo. Ocupantes da mata-atlântica, os Guarani desenvolveram profundo conhecimento desse bioma, implicando numa contribuição impar ao nosso dilema de sustentabilidade. Ao abordar os povos indígenas no Brasil e Argentina, especificamente o povo indígena Guarani, o livro mergulha na temática do “outro”, da relação com o diferente, de identidade e alteridade. O livro refaz a trajetória histórica Guarani desde antes do contato com o não indígena, suas relações e as mediações com outros povos para compreender a situação atual, onde, vivendo em seu próprio território são considerados estrangeiros. É através da história desse povo que compreendemos como foram criadas, recriadas e modificadas as fronteiras entre os países do Cone Sul da América. Nas últimas décadas esses países propuseram um projeto ousado, de romper essas fronteiras, integrar o Cone Sul, mas esqueceram de convidar os principais interessados, os Guarani, povo que enfrenta severas restrições pelo fato de ser obrigado a conviver com as fronteiras. As fronteiras novamente são refeitas para atender interesses econômicos e os povos são ignorados em suas práticas tradicionais de viver sem fronteiras. O livro trata das sabedorias desse povo, que dão nome a uma infinidade de topônimos, inclusive ao maior aquífero subterrâneo do mundo – “Aquífero Guarani” (justamente por estar situado sob seu território) – que nos ensinaram conhecimentos vários, desde o uso do chimarrão até práticas cosmológicas, porém hoje encontra-se em confronto direto com os Estados Nacionais pela definição de políticas comuns, pelo reconhecimento, pelo respeito as suas formas próprias de vida e especialmente pela possibilidade de circular livremente palas fronteiros. O livro traz dados populacionais históricos e atuais, de aldeias, de localização, quadros comparativos de atendimento prestado pelo Brasil e Argentina, e diversos mapas informativos sobre o território históricos e o território atual desse povo com as principais rotas de deslocamentos. O livro mergulha na vida do povo Guarani e informa como esse povo, que possuía uma agronomia extremamente avançada para os padrões quinhentistas. Sem a impressionante agronomia Guarani os portugueses e espanhóis não teriam tido êxito ao dominar a América. Mesmo sendo um povo extremamente pacífico foi violentamente massacrado, e somente não exterminado porque resistiram, em cada época de um modo diferente, mas sempre tendo como referência sua própria cultura. No Brasil o indígena esteve sempre presente na vida do povo brasileiro, na maior parte das vezes de maneira preconceituosa, mal-informada, idílica, mas mesmo assim pautou nossa literatura indianista, o modernismo, e, inclusive o substrato de positivismos humanista, que embora desejava transformar o indígena, não o tratava com desdém. A Argentina, pelo contrário, eliminou o indígena de seu território, e de sua memória, varreu os Mapuche do deserto, eliminou os Abipón, Macovi e Toba da região chaquenha, varreu da memória outros grupos indígenas como os Guarani de Misiones. A Argentina se orgulhava de ser um dos poucos países sem indígenas da América Latina. No entanto, graças as sábias estratégias de resistências indígenas, hoje há um número maior de indígenas na Argentina que no Brasil, e que não apenas estão presentes nos censos e nas estatísticas mas lutam por espaço por direitos e por cidadania. Enfim, é um livro atual, que fala de temas atuais, que aborda conflitos contemporâneos, buscando seus fundamentos no tempo. Trata de fronteiras, América Latina, Guarani, territorialidade. Por ser um livro atual ele se destina a pessoas que desejam discutir temas atuais, mas profundos, que estejam fundamentados em pesquisa, em informações históricas contextualizadas. Se destina a pessoas interessadas em conhece a história, mais do que historiadores, ele provoca a curiosidade e interesse naquelas pessoas que desejam conhecer nossas raízes latino-americanas. Ele se destina a pessoas interessadas em conhecer os indígenas, sua cultura, sua resistência e suas propostas de vida no contexto pós-moderno. Se destina também a aquelas pessoas interessadas em compreender a integração latino-americana para além das questões econômica O que te motivou a escrever esta obra? Essa obra é resultado de uma pesquisa que buscávamos compreender a integração latino-americana, a formação de blocos econômicos regionais, no caso o Mercosul, a partir da perspectiva dos povos, em que a questão econômica não fosse o centro. Essa pesquisa levou-nos as origens da relação entre os povos no cone sul, como eles concebiam as fronteiras e as relações que mantinham entre si. Como desdobramento da pesquisa, resultou num conhecimento mais profundo do povo indígena Guarani, numa compreensão mais elástica da integração latino-americana, uma compressão da identidade do povo latino-americano. Diante dessa pesquisa entendemos como fundamental não deixar esse conhecimento reservado a bibliotecas de universidade ou a centros de pesquisa, mas levar ao acesso das pessoas, para que elas possam conhecer mais profundamente a história latino-americana a partir dos indígenas Guarani, possam conhecer outras propostas de integração e relação entre os povos que a criação de mercados regionais ou a campeonatos de futebol. Que as pessoas tenham possibilidade de ler outras fontes que a imprensa, esta muitas vezes no afã de informar o dia-a-dia não abre espaço para o profundo. Ao conhecer profundamente como o Brasil e a Argentina trataram a temática indígena ao longo da história e também nesse momento contemporâneo, consideramos fundamental levar esse conhecimento ao um público mais amplo, contribuindo assim para que nosso futuro não seja uma repetência do passado, mas que tenhamos pela frente um horizonte de respeito de vivência harmoniosa. Motivou-me também a necessidade de pensar/propor outra integração latino-americana, resgatando a perspectiva indígena, a perspectiva dos povos. Nesse sentido faz-se necessário conhecer a proposta indígena de integração. Pensar que outro mundo é possível, um mundo a partir da diversidade e da relação entre as pessoas. Quais foram os seus objetivos ao escrever esta obra? Conhecer profundamente os marcos da territorialidade Guarani que se contrapõe às fronteiras geopolíticas impostas pelos impérios europeus e continuada pelos Estados latino-americanos; Investigar a relação do povo Guarani com os Estados Nacionais, partindo da releitura histórica das práticas guarani atuais; Compreender a proposta Guarani de integração latino-americana e confrontá-la com a proposta de integração econômica, do livre mercado proposto pelo neoliberalismo; Refazer a leitura historiográfica e etnográfica do povo Guarani para compreender os desafios atuais desse povo, que insistentemente quer continuar vivendo sua cultura, sua língua e sua religião. Por que a escolha do tema? Primeiramente porque não encontramos nenhuma obra que tratasse desse tema. O que há são algumas obras históricas e, portanto, referem-se exclusivamente ao passado; outras obras existentes são na área da antropologia que se referem a compreender a cultura do povo Guarani. Essa obra vem trabalhar com os desafios atuais da relação entre Guarani e Estados Nacionais, com a sociedade e com a pluralidade. Ela está inserida na contemporaneidade, no debate da integração regional, no dilema das identidades e no desafio do aquecimento global como incapacidade da sociedade ocidental pensar o mundo a partir do ambiente integral – homem natureza. Escrevemos também essa obra porque ela resgata nossas origens e propõe um olhar para o futuro. Na medida em que estudamos o povo Guarani vamos compreender como se processaram as configurações geopolíticas no cone sul, desde a colônia com as diversas refazer das fronteiras até as questões atuais, no refazer as fronteiras a partir da perspectiva econômica. Os Guarani sempre foram negados em sua proposta de fronteira. O “desbatismo” como resistência religiosa às “encomiendas” e a evangelização, as grandes batalhas de M`bororé contra os bandeirantes paulistas, a heroica guerra Guaranítica de 1755 contra os exércitos de Espanha e Portugal, as lutas atuais com estratégias próprias de sobrevivência e defesa do meio ambiente, são questões que fazem desse tema atual e fundamental para nossos dias. Esse tema nos provoca a pensar que enquanto o neoliberalismo propõe a perspectiva econômica como meta de relação, os povos propõe a diversidade, propõe a cultura e relação harmoniosa com o meio ambiente. Qual a relevância do tema abordado no livro com os temas atuais? O tema é extremamente atual, porque ele dialoga com os temas de relevância para a sociedade. Aborda a integração regional na perspectiva econômica e na perspectiva dos povos; Ao trabalhar com as práticas indígenas de relação com o meio, ele propõe um diálogo profundo com a perspectiva ambiental, com a exploração dos recursos naturais como o aquífero Guarani e os recursos florestais da mata atlântica. Porque aborda o dilema das identidades e possibilidade da existência da diferença num mundo globalizado e dominado pela televisão e internet. Toda obra acaba construindo um leitor. Durante a escrita dessa obra que leitor você teve em vista? Primeiramente pensei naquele leitor “curioso” que tem sede de conhecimento, que deseja buscar algo inédito e relevante para pensar a humanidade. Aquele leitor que está em busca outra formas de relacionamento entre povos, que pensa a integração para além das questões econômicas; que pensa as fronteiras para além de limites de impossibilidades e impedimentos. Esse leitor pode ser um pesquisador, um professor ou uma pessoa sem títulos acadêmicos, mas apaixonado pela vida e disposto a transformar as mazelas que prejudicam a vivência em sociedade. Aquele leitor que sabe que a história é fundamental para compreender quem somos e como construirmos nossas relações atuais Também pensamos nos professores e alunos desde o ensino médio até a ensino universitário, que desejam ampliar o conhecimento sobre a temática indígena da América Latina. Aqueles que desejam compreender como Brasil e Argentina trataram a temática indígena ao longo dos últimos cinco séculos. Qual a metodologia utilizada na elaboração da obra? Desenvolvemos um profundo contato com os Guarani contemporâneos que vivem no Brasil e Argentina – pesquisa de campo. Entrevistamos lideranças e sábios Guarani nas diversas aldeias do Brasil e Argentina Buscamos compreender com eles seus dilemas, sua história e sua proposta, tendo presente sua cultura e cosmovisão. Em seguida mergulhamos na etno-história, buscando os dizeres da historiografia e da etnografia. Desenvolvemos um diálogo interdisciplinar com a geografia, com as ciências naturais e com a economia. E por fim, dialogamos com pesquisadores e com a sociedade, buscando as lacunas e necessidade de conhecimentos. O que o tema/foco da obra traz de (conhecimento/novo) para o leitor? Repensar a forma de integração regional, tendo como perspectiva primeira a relação entre o povo e não a questão econômica. Repensar a territorialidade para além das fronteiras atuais; Abrir o olhar para o outro, sua história, sua cultura e perceber a possibilidade de crescimento mútuo, de troca recíproca. |